Eu desapareci de mim. E sua nudez desavergonhada, a cada esquina, arrancava sem piedade uma palavra da pele. O eu desconhecido e selvagem, ousado que era, pôs-se a recolher os pedaços abandonados por ela na passagem. Aproximava-se. Aproximaram-se, nos aproximamos.
Sem permissão ou tempo, colávamos as letras como mosaicos contemporâneos demais para gerar o encaixe perfeito. Nunca nos completamos, sei. Entre seus peitos frios e meus dedos ferozes, os versos estavam zonzos ou tortos, os acentos nos lugares improváveis, as reticências separadas das ideias de não se dizer o que sente, o ponto final no começo. No começo de nossa loucura. O eu não sei quem ainda esvaía-se em suor e a bela derretia-se polida com sonhos.
Até então, ficávamos mudos por horas, eu lendo no corpo dela muitos livros. Mas, de repente e não mais, saíram os sons primitivos. Tão perigosos e afiados como lâminas de caça. O fim é logo.
"Eu o vejo tão palha. E palha queima no fogo". Ela era fogo quando ria. "Você precisa se banhar como pimenta, anda sem tempero". Ela era mistura de alho e salsa e sal. "Diga-me o que eu ainda não sei". Ela sabia mais que eu. "Você me dá sono". Dormia em meus braços.
Aqui está ele, o fim.
Eu, o eu mesmo despertou confuso com o silencio na rua. Assisti quando não mais nos bastávamos, o eu perdido estava enterrado e percebi o quão pequeno meu ser revelava-se diante dela, que foi embora sem dizer au revoir!, querido. Mas lembro bem que li em suas costas: você é um vazio infinito.
Ela esteve na cidade por 38 dias, em meu corpo por 9, em meu pensamento por todos os outros dias que pude viver até agora. Jamais voltei o todo de antes. É por isso, não desejo, a qualquer momento, esbarrar novamente com figura mágica assim, apesar de achar que cada homem reconhece este estado transcendental uma única vez, e que magia é uma das poucas coisas que nos faz realmente acreditar que a vida vale a cruz refletida.
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