quarta-feira, 30 de novembro de 2011

De confusões e vícios

-Ai, que vontade de um cigarro. Pensou Anna. Descansou o corpo na porta da varanda e inclinou a cabeça sobre o ombro esquerdo, como de costume, de forma que tivesse uma visão privilegiada das luzes da rua, do quinto andar, da chuva fina. Uma visão distorcida do seu cotidiano e de qualquer lembrança rotineira.
-Ai, que vontade, ai. Insistia o pensamento, os lábios, e o corpo no vício.
Fizera as contas da noite e podia prever as conseqüências do quebra-cabeça de erros que cometeria se envolvendo nesse embrulho misterioso que a paixão estava oferecendo, ali de braços e mãos nuas. Nunca fora boa nessas coisas: tudo ia bem e ela desaparecia do mundo. Nenhum telefonema, e-mail, carta, sinal de fumaça. Em seguida cobria-se de uma solidão civilizada, companheira e até conselheira, que se acomodava no lugar do livro de cabeceira, ao lado do copo d água, de onde poderia acariciar seu sono. E assim acontecia, sem novidade alguma. Tudo ia bem e ela estragava. Fidelidade e ela estragava. Romantismo e ela. Bom gosto e ela. Mas desta vez, uma assombração surgia na paixão, além de um instinto sobre a vitalidade e rigor daquela vitamina. Um sentimento bastante distinto dos outros pequenos e estúpidos que costumava sentir, os passatempos, pirulitos de criança, novelas de avó e piadas de palhaço. Esse novo vinha com cara de medo, pernas de entusiasmo, mãos de expectativa, corpo de fidúcia, mas muitas desconfianças pintas na pele. Era um ser-sentimento monstruoso. E o leitor pode sonhar com ele ao dormir, caso tente visualizá-lo. Parecia um abismo desafiador: dor no salto, prazer na queda, decepção no fim.
- Estou fazendo de novo, de novo. Paixões, vontades, problemas, criando problemas. Lembrou de dona Mariana, mulher vivida, falando algo sobre ser preciso cautela e astúcia, encarar um amor com igualdades, nada de opostos se atraem, mas sim os dispostos...e palavras e palavras tremidas. E agora, como será? Como será se somos diferentes? Sentia um peso nos pés de quem traz consigo uma montanha de incertezas. Mas “o amor faz as igualdades, não as procura”. Talvez dona Mariana apenas pense diferente, mesmo não tendo as cartas verdadeiras do jogo. Oh, do que estamos falando? Amor é assunto de próximos capítulos, por favor, acabamos de começar.
-Não sei se me jogo ou contenho. Cutucava a cuca. Calou-se em luto por sua psicose. Já passava das onze e estava esfriando. Sabia que mais cedo ou mais tarde iria lançar a sorte. Jogar como dardos si mesma e pimba, vamos ver o que virá. Viesse o que viesse, enfrentaria. Assim como tudo, mesmo afrouxando a base. Se fosse para ficar, que ficasse da melhor maneira e doaria sua alma. Se fosse para passar, que passasse da melhor maneira e doeria sua alma, mas não tanto a ponto de matar. De melancolia também vivem grandes personalidades e incríveis idéias nascem do pesar. Já passava das onze, o amanhã seria ainda quarta-feira, agenda cheia. Anna precisava dormir por 48 horas seguidas, sem exagero, mas antes de tudo, só queria um cigarro para relaxar.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Em gotas

Oh céu,
agradeço o respeito de chover quando me chovo, caindo pouco a pouco tal qual a coragem que o mês, faminto, devorou. Desobrigo-me a gritar a angústia desta cabeça cansada e perdida. Compreendo o lamento. Sem esforços para sofrer, sofro, sem sono para dormir, durmo, sem vontade de ter vontades, não as tenho.
Portanto, adeus.
Fui para um fundo de gaveta.
Até meados de dezembro, a ordem é esquecer-me.

E nada mais.

domingo, 20 de novembro de 2011

Sambrasil

Rodou de pés descalços
na roda desse samba
uma mulata
a Bahia
era Brasil parindo brasileiro

Chamou negrinho esperto
pra fazer realejo
e amaralina ficou azul
confundindo-se com o céu
conto romântico de tetravô
hoje é engraçado de se crer

Ouvi palmas, berimbau
que não é gaita não senhô
muito é de cor
forte e suada
sangra escuro
energia moral

Berro na alma:
o país verde e amarelo
é mais preto que noite de lua preguiçosa.

Viva a mãe terra
Raiz que te criou!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Sim, eu sei o quanto lhe pareço só; e só sou. Mas com licença, meu amigo, que solidão não é motivo para infelicidade.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O maior desejo


Naquela noite, diferente de quase todos os homens, que escrevem seus nomes na areia, eu bordei com os dedos as letras do sentimento do mundo e da mente. O sentimento do mundo e da mente carrega uma ímpar essência que poucos sentem e se sentem não sabem e se sabem não falam e se falam não são ouvidos. Tão ausente no século das máquinas ou mecânico ou diminuído para caber nos outdoors de uma cidade grande como, sei lá, São Paulo.
O sentimento do mundo e da mente move o próprio mundo e a mente, mas raros o notam. E deve ser por isso que as ideias ficaram mudas, estáticas, e nada de novo alcança.
Cansei e por isso escrevi amor.
E assim: a-m-o-r. Escreveria ainda sete vezes: amor amor amor amor amor amor amor. Devia ser nosso vício, o alimento dos seres. E o que é?
Amor, pois acredito. Ainda mais na areia, com a velha história de o mar apagar e fazer dar certo. Tem sido o meu maior desejo, para mim, você e os outros, em 21 anos.