sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Latejo

Eu quero as respostas; a receita; o ponto final. Seria fácil ter um índice para abrir na página x e ler o que fazer. Mas a vida, meu amigo, não nos oferece este livro de soluções. Pelo contrário, a cada capítulo um novo enigma; a cada página um mistério; no final de cada frase, a interrogação. Deve ser por isso que viver exalta sensações, às vezes exigindo silêncio e ação e um pouco menos de filosofia. Instigar a mente, sempre! Nada mais belo que o pensar. Todavia, é preciso sabedoria para conter-se, falo mesmo por mim. Ando à beira de enlouquecer, overdose de reflexão. Tinha utopias, quis realidade; tive realidade, quis utopias. Céus, não é possível morar em cima do muro? Se eu tivesse as respostas, não as tornava públicas e o divino pune meu egoísmo com mais questões. O momento é indefinível, incompreensível. Eu não entendo. Enquanto há vida, resta-me buscar equilíbrio, busca eterna. Ou quem sabe render-me a loucura palpitante, venenosa...
e dela beber até a morte.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Liberdade

Poema bobo de bolso,
evolua a uma explosão rara.
Como conter a mente extemporânea?
Como invadir o coração poeta?
Palavra, coragem!
Já é tempo de voar.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

No meio do caminho tinha uma saudade
tinha uma saudade no meio do caminho

abaixei-me, peguei a saudade e a guardei no bolso
segui em frente

quando cheguei, depois de muito caminhar
lancei a saudade na mesa

e a comi num segundo com arroz e feijão
temperado a la mamãe

é
eu estava em casa.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

além.

"[...] estou procurando. Estou tentando entender." Mas eu paro e penso e logo descanso. O entendimento me consumiria; escolho viver, apenas,
algo muito além.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Presságio


Dizem os astros:
"Dezembro é mês de colheita. Não queira frutos grandes e saborosos se plantou sementes secas e tristes. Dezembro é mês de colheita. Mas não espere nascer margaridas de sementes de ervas daninhas."
E eu, antes descrente, reli o mapa completo para reconhecer o caminho que fizera até aqui, ao nada; a um lugar do qual a maior vontade é não estar ou voltar. E eu, antes a julgar posição de sol e lua mero clichê de data, passei a realizar simpatias, tomar banho com essências e sais, e apelar para as estrelas, estas luzes consideravelmente distantes no céu. Tão distantes quanto eu mesma de mim, segundo previsões de todo o Dezembro.
O que me resta é fazer oferendas para que Janeiro venha exibindo alegres asas, e enfim me liberte deste aquário, com vida. Aquarianos tem destas confusões, me informei: ás vezes bebe da água, ás vezes se banha, noutras molha terceiros, noutras mergulha e se afoga.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Amor e seu tempo

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade


Que chegue tarde do negro,
numa oblíqua madrugada,
lance-se janela adentro,
encha-me de sonhos
e cores para abrir
os olhos e saltar
destes, a alma:
amor.