sábado, 25 de dezembro de 2010

Um pouco de luz nessa vida


Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente.

[Vinicius de Moraes]

Hoje os sentimentos-luz saem para passear de braços dados pela rua. A noite é bela, é bela, é bela, canta minha alma e repete minha paz: o amor recobrirá nosso ser.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010


Sem licença, brilhei no mundo e descobri.
Nasci mesmo para ser feliz, aqui, agora, há um segundo atrás
e também no segundo adiante.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Desabafo 2:11

Como vai você neste dia azul? Comigo não sei. Parece que enlouqueci. Ou simplesmente envelheci?Mil anos em um dia, dizem os desejos. É que meus ouvidos estão um tanto cansados de gente que não sabe ouvir. É que meus olhos estão um tanto cansados de gente que não sabe ver. E meu sorriso está cansado, acho que enlouqueci. As pessoas estão cansativas, o mundo, meus sonhos, os dias, este texto, quanta repetição! Quanto blá blá blá que nada acrescenta. Ando farta de quem não me faz crescer, de quem não me desafia. São os jornais, as capas de revista, as músicas, os programas de TV e sobretudo, as pessoas. Gritem o mais alto que torta sou eu, antiquada sou eu; não creio. Não envelheci tanto a ponto de morrer.
Ainda vivo.
Ainda viverei.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Não se afobe não


"No palco, na praça, no circo, num banco de jardim
Correndo no escuro, pichado no muro
Você vai saber de mim"

Olhos nos olhos daquele que não pode faltar aqui.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Quando o silêncio daquela voz dominou minha alma, logo pensei: é o fim, companheiro. Deixe as coisas, as cartas, as fotos, deixe inclusive os sorrisos mais distraídos na gaveta dos guardados.
Ela disse adeus adeus adeus... e emudeceu.
Despertei cinza e disforme como uma obra de arte contemporânea complexa e inovadora. Quem me visse ali, não entenderia sequer a expressão nos meus olhos. Pus-me a caminhar sem sentir os pés. Entre estradas ocultas deste mundo louco eu era apenas um coração bandido a roubar alegrias em jardins alheios. Eu tinha pressa de um amor-luz que nunca parecia chegar. Já vivi épocas de sentimentos gigantes, de donzelas em torres, de flores e tranças. Já me entrelacei e me perdi no emaranhado de cabelos louros, ruivos e pretos. Já passeei pela pele de tantas mulheres e até fiz música em alguns destes corpos. Mas foi quando o silêncio de uma única voz se fez sobre mim que pensei: é o fim, companheiro. Perdi um pouco a coragem de explodir intenso na vida. E o que mais me entristece nisso tudo, não é o fato de estar sem ela, mas de ter me acostumado a estar sem ela. Logo agora, ao ocupar a mente com outras e outras mulheres, outras tarefas e outras cidades, o silêncio morre. Meu telefone toca para dizer mais uma vez nós dois. O coração sussurra sereno: aproveita, seu tempo é curto.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

...
"Eu quero um punhado de estrelas maduras.
Eu quero a doçura do verbo viver."

E que nestas estrelas estejam as suas, e que dentro deste verbo esteja você.

domingo, 21 de novembro de 2010

Em teu caminho...

Se insano quiseres revê-la, desdobre tua latência em fotografia. Vá no mês que falam as flores e busque o sorriso azul celeste. É lá que estarás quem procuras.
Se insano quiseres revê-la para desafogar a saudade, entra no primeiro ônibus no primeiro horário. Desce na curva do rio. Caminha ainda por uns quinze minutos e descansa na praça. É lá que estará quem procuras. No terceiro banco de livro aberto, de alma grande, de cabelo borboletas. Mas todo cuidado é pouco. Afinal, tua caça não é estática ou vive de pretéritos imperfeitos. O tempo desenrola no tempo como um novelo se desfazendo em linha lisa. Olhos mudam como muda a luz ou como corre a chuva. O tempo não perdoa um coração que tenha partido. Nem cola um coração que tenha se partido. O tempo agora é teu inimigo e não te suporta amante.
Se esse amor existiu, nunca mais passou por aqui.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010



Ser definível é insuportável. E meus sinônimos, eu engulo todos no café da
manhã. É que dispenso a ideia de ser palavra complexa. Palavra complexa é
simplesmente palavra no dicionário. Não quero caber na minha bolha de plástico
ou no meu mundo de algodão, apesar de amá-los tanto. Não quero bastar-me a meu próprio corpo pequeno de sonhos imensos, muito menos em meus sonhos imensos minúsculos, insuficientes. O descansar de uma vírgula? A euforia da exclamação? A subjetividade de pergunta? Esqueci no fundo da gaveta com a poeira de anos. Às vezes a limpeza da casa é tal como uma nova esperança, às vezes é mero
passatempo. Num ponto final, não. Ainda tenho sede. Multiplicá-lo em três,
fantasiando-me reticências, não. Ainda tenho sede.

cubo mágico, caixa preta, vitrine de loja, neste texto estúpido, que nada disso me contenha, nunca.
jamais equilibrar no limite.

Sem porquês, porque

Nem Freud.
Nem Jung.

Eu quero ser para sempre o que ninguém explica.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Confesso

Venho sentindo muito medo a cada dia. Estou parda. De beleza
esgotada. Estou vazia de esperança que já até matei alguns sonhos antigos. No
entanto, continuo com a sensação de ter me perdido numa esquina a qual não
dobrei. É ausência de mim que sinto.
-Deus, resta-me a vida inteira, seja parda
seja colorida.
Apesar do vazio ter amputado as minhas pernas, seguirei rastejando.

Mesmo em pó,
Ainda estou aqui.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

.

E por fora, um esbanjar de céus incríveis:
dias azuis, azuis. Fins
de tardes cor-de-laranja, cor-de-laranja.
Só por dentro que ainda está meio cinza.
Não sei onde a deixei, mas não está comigo agora.
Alguém viu minha gota de cor?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Setembro

Desci a rua ainda uns 500 metros e sentia a alma faminta. Foi de repente que no meio do jardim da casa quatro o avistei. Como um sol no chão, trazia em si a belíssima propriedade da cor amarelo. E, para me nutrir da alegria enigmática. E, para começar bem esta primavera de mim: emudeci meus passos e cessei o tum tum tum do coração. Vi-me com as mãos posicionadas e vap: roubei o solzinho em pétalas e com voracidade,

o comi.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Por hoje é só


Empalidecera nos derradeiros tempos. Não era doença. Não era tristeza. Não era fome.Nada. Nada do que você mais imagina. Angústia, medo, dores, saudade.

Nada disso.

Tinha saúde e felicidade e comida todo dia, graças a Deus,todo dia, sorte a dela, todo dia. Todo dia. Todo dia. Todo dia todo dia todo dia igual.
Tinha tudo, e
dentro desse tudo um vazio que só pedia a diferença:

-Um amor colorido e a conta,

por favor.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

You don’t know me, sou como tu és, desilusão

Três noites são definitivamente um vazio e
coisa nenhuma se conhece de alguém caminhando num mundo correndo, em três noites.

Não me determine. Não me
demarque.

Métodos. Complicações. Retrações. E por um momento já não sei mais de quem estás falando.

Quando provava teu cheiro podre e notava exalares uma fumaça viva, depressa apanhei meu guarda-chuva, vesti meu casaco, calcei os sapatos e parti.
Não era ali que deveríamos estar. Estava impossível escutar-te no
núcleo do vozerio. Somente via teus sinais. Bebias teu cigarro e fumavas tua bebida enquanto o entorno agitava. Envenenados de mediocridades, todos. Fumavas, bebias e eu não te ouvia. Nem me via. Música de melhor qualidade e o corpo clamando por chá sereno.

Quis ser outra em três noites. Outras. Uma em cada noite. Mas não fui nenhuma delas e não fui também a velha mesma de contínuo.
Então não fui ninguém. Permiti que tu me indagasses e indagasses, tendo a resposta nos lábios. Quem anda inteiramente pela metade nos últimos dias sou eu. Sou
também a casa da resposta. É que no meio do caminho, do nosso caminho, havia ela com a corrente, o cadeado e a chave na mão nos proibindo de
prosseguir. No meio do caminho havia eu mesma com medo de qualquer coisa nova como paixão.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Há pessoas palavra de menos. Pessoas palavras demais. Pessoas palavras inteiras. Meias palavras e meias. Meia.
Pessoas gibis ou enciclopédias.
Há também aquelas difíceis de se ler.
Que rimam. Que dissertam. Que não rimam.
Mas não há, meu bem, não que eu
conheça,
pessoas de páginas lisas.
Nunca vi quem seja branco de tudo.
Se o momento já faz bom verso, a vida
faz livro inteiro.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Porta de geladeira












"Fui ali conhecer a liberdade.
Se eu não estiver de volta até o anoitecer,
é porque não volto
mais."

Mari.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Quê.

Vivo disso.
Que não sei o que é.
Que não conheço a forma. o pote. o peso. a textura. o gosto.
Vivo disso vivendo dentro de mim.
E vivo dizendo que não sei o que é isso.
É disso que sou. Esse quê meio clichê e repetitivo. Que instantâneamente cospe um quê de novidade.

Em mim:
Quê, sem nome se embola.
Quê, sem definição se veste.
Quê, sem coragem se joga.
Quê, sem prisão se espaça.

E fico bem em frente ao espelho, mesmo esfumaçada a visão.
Sou um quê de coisas que não consigo descrever.
Um quê de tudo. e nada.

domingo, 29 de agosto de 2010

- Sabe? Vocês se olham tanto. Pior. Olhos nos olhos. É bom, mas perigoso demais. - Pedro escuta apenas um seco É.
- Mas eu quero dizer, não me entenda mal, Beatriz, só...Acho isso muito bonito entre duas pessoas. Essa oportunidade intensa de olhar no fundo de outros olhos. Mas vocês não se cansam? Não bate um medo de cair o pano, surgir nua diante dele? Poderá conhecer seus defeitos, incapacidades, confusões. Aí, acaba desistindo. Ele vai embora e você vem sofrer no meu ombro, como sempre. Me deixa morto com as tentativas de lhe arrancar sorrisos, sinto-me estúpido, apesar de valer muito a pena. Bia, abandone esse sentimentalismo, ou melhor, não o procure nunca. Lembra da última vez com o Gustavo? Cismou de escrever cartas piegas e enviá-las para o escritório dele. Primeiro uma vez ao mês, depois duas, dez, quinze. No fim, ele ficou tão irritado e sufocado que se foi. Nós dois ficamos, eu segurando seu lenço enquanto se afogava na tristeza. Agora a mania é olhar nos olhos por horas, como estátuas. Me preocupo. Eu gosto tanto de você, minha Bia, não quero que sofra por viver plenamente. Acho engraçado suas frases reflexivas e vagas. Tanto poéticas, mas tortas. Totalmente...- Beatriz puxa o rosto de Pedro para próximo ao seu, chegando a encostar as pontas dos narizes. Respira fundo e com a expressão rígida, diz:
- Gosto de me sentir completa e completar os outros. Você anda estranho Pedro, me criticando muito. Talvez nós dois tenhamos passado do limite. Nos conhecemos tão bem que perco fácil meu limite em você. Desculpa se o incomodo. Mas você me acha interessante, não?
- Mais que isso. Acho louca.- Beatriz explode em gargalhada.
- Só tenho uma pergunta. Você nunca me olha nos olhos por mais de um minuto. Por quê? Tem medo que seu pano caia e eu vá embora?
- Tenho. Não quero perder sua loucura da minha loucura.
- Não perderá. Você é meu talismã, minha melhor conquista.
Pedro sorri.
- E você é minha fuga predileta para a felicidade.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Uma nova canção

Dos olhos verdes grama, arriscou-se cantando Chico no silêncio da solidão. Passou em passarela pelo mundo não entendendo e parou quando gostou dela cantando Chico em voz afinada de moça também no silêncio da solidão. Sorriram-se inteiros meio sem postura e meio cheios de perfume de flor, mas os dias retomaram o rumo. E os dias permaneceram em diferentes caminhos confusos. Até que, um dia dele decidiu riscar por um caminho desconhecido e bateu de cara com o dia dela. E assim, no susto, foram ganhando os corações gelados e estáticos que há tanto tempo não sentiam palpitações nem sambavam nem pulavam. Chico está compondo uma nova canção deles, escuta. Talvez em silêncio, talvez no silêncio da solidão. Talvez belíssima, romântica Yolanda. Ou louca e crua e cruel. Forte. Ousada. Ruim. Talvez de um belo amor em broto ou do adeus dos olhos verdes que se vão e o choro baixinho ficando atrás da porta. Um drama saído do forno. Um apaixonante conto de fadas, quem sabe.
É preciso acreditar em amor à primeira vista ou à segunda para tocar nos ouvidos. Está difícil.
Mas vá, isso é coisa pra Chico falar, não eu.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Blau Werden



Uma gota vinda do céu caíra sobre Helena. Era um dia tão azul que ela
olhou para cima e se perguntou de onde partira aquela gota que a tocava
logo no peito. Não havia pássaros por perto. Os pombos na praça central ocupavam-se das impurezas no chão. Um desenho no chão de asas sobre as
impurezas. Não havia torneiras ou bolhas de sabão ou nuvens. Somente velhinhos jogando xadrez e um grupo de quase dez crianças traquinas correndo em círculos, fazendo balé de gritos. Gritavam aventuras infantis insolúveis com seus agudos explodindo no azul. Havia também pessoas. Muitas pessoas de muitos pensamentos.
E o ar congestionado por incríveis ideias. Havia tantas pessoas e tantos pensamentos que não era difícil perder seus próprios pensamentos em outros, pois além de entrar na cabeça errada, eles pulavam de cabeça em cabeça preenchendo os buraquinhos esquecidos pelo resto do corpo. Mas o fato: uma gota improvável caíra sobre a alma de Helena e a tocara metaforizando seu corpo em corda de violino, em ponto colorido na tela branca. Helena foi se transformando em lembrança.
Helena sentiu um frio mínimo e discreto na pele e passou a questionar todo passado. Bastava à dúvida seca ser regada pela gota vinda do céu para crescer.
Cresce. Crescendo. Cresceu.
Ficou gigante e dominadora e teve o magnífico poder de expulsar estranhos pensamentos alheios dos buraquinhos esquecidos na cabeça da moça, para recheá-la de interrogações. Pedaços de lembranças num dia muito azul soam desconfortáveis. Um tão azul deveria plantar
a vontade de abraçar o futuro, cantar alegria, alegria. Mas Helena virou lembrança. E não se cansava de indagar o porquê. Queria saber da lógica que há nesta vida de encontros repentinos. Das breves despedidas. Da ferida que deixa um amor mal resolvido, uns escritos pela metade afogados na distância. Do vazio,
da ilusão, da espera. Espera. Foi uma gota assassina caída do céu. Matou-a
instantaneamente e virando lembrança ganhou uma melancolia parda no rosto, descolorindo o entorno. Um desencanto todo. Como se essa gota tivesse ponta afiada de palavras cruéis. Como se os pombos fizessem motim, e houvesse torneiras ou bolhas de sabão ou nuvens demais. Uma gota desaguando em lagoa, em rio, em mar, em Helena, em lembranças. Querendo alguém para tocar. Foi tocar justamente numa estrela tímida,
que de lembranças se embebedou para sempre.

domingo, 15 de agosto de 2010

"Eu tinha um cantinho pra você ficar"

Você já sabia, sabiá?

Eu já sabia, sabiá.

Não é o peito que fala bonito.
Nem a alma.
Nem os olhos.

Invejado pelo peito e pela alma e pelos olhos, está o cérebro.

Que não pulsa.
Que não sente.
Que não vê.
Que é soberano.
Que nos confunde.
Que ama e fala bonito.

ele.


Por mais estranho que pareça ter o amor na cabeça.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sem poesia

A poluição dos dias
A pressa dos compromissos
A lama das almas
A invenção do desespero

Os olhos que não se olham
Os pés de pisadas rudes
Os sonhos adormecidos
Os meses atropelados de choro

A instabilidade no sentimento
A rosa murcha por falta d'água
A mão cruel da impaciência
A invasão do que não é meu

Tudo, nesta cidade, nesta vida, nesta hora, levou o tempo de mim.
E fico a conversar com os asfaltos e a observar as paredes sem pintura
Nunca vira tanto cinza num muro em cores
E fico com sede da tua poesia ímpar e intensa

Que falta me faz o tom teus versos...

Quando ela chegou e me roubou de mim

Não sei explicar. É que, de repente, senti vontade de plantar jardins inteiros em outros corações. Eu já havia sentido isso antes, embora nunca tenha
ligado os fatos. Para ser bastante sincera com você, eu nunca parei para pensar. Não tenho tanta certeza, mas pensando bem, isso aconteceu logo depois que. Pensando bem, agora estou quase certa de como aconteceu. Sim. Foi ela. A culpa dela. Toda. Agora está claro. É dela, que invadiu meus sonhos, espreitou-me, deitou-se na cama espremendo meu corpo como limão morrendo em limonada.
Fiquei apertada no canto, e torta enquanto ela chegava espaçosa. Suave. Egoísta. Viva.
A culpa é toda dela que veio. Sem telegrama. Carta. E-mail. Telefonema. Eu não sei, mas. Eu não sei, mas tinha a chave e entrou silenciosamente e dominou minha casa no meio da noite. Ou no meio do dia. Oh, como eu estava distraída. Em minhas coisas ela
derrubou seu pó e pintou de sua cor branca demais e deixou seu vazio infinito silencioso, nas coisas. Como possuia a chave é uma boa pergunta.
Como?
As vezes imagino que ela possua a chave de todas as casas do mundo. Ou será que isso só acontece comigo? Ando desligada e por isso permitiu-se estabelecer aqui perto, logo ali. Minto, logo aqui no meio de mim. Fui completamente tomada, roubou-me de mim.
Levou a raiva, a pressa, nem mesmo sobrou um pingo de agonia e no instante no qual aprendia a lidar com a ventania resta a brisa nos passos, melodias, movimentos. É tudo verdade. Foi até melhor assim, pois ainda sinto
aquela vontade boa sobre a qual lhe falei. Posso até, se. Se você quiser, posso até plantar um jardim inteiro no seu coração. Você quer? No meu já o fiz, precisa ver só que paraíso, que cores, que brilho. Tem girassol, margarida, azaléia...E é primavera. Não há sujeira no céu. Não há sujeira nas pétalas.
Ela limpou quando veio e me ajuda a regar quando volta. Volta daquela maneira, sem
avisar e sin. Seu nome? Você já a conhece. Não? Claro que conhece, não brinque comigo. Não se recorda? Você anda distraído que nem eu estava quando. Cuidado então porque ela pode preparar uma. Ah, o nome? Sim, o nome. Cada um pode chamá-la do jeito que bem entender, eu prefiro a forma mais comum. Simples e serena até para se dizer o nome.
Paz.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Ela é sol


Ela é quintal
flor
pé de mamão
pé de limão
jiló
caqui
café doce
varanda
rede
peixe
grito
teimosia
abraço apertado
juventude
alegria
muito
mais

sol.

Ela é sol.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Doce Teresa,




Já sinto teu corpo ausente de nós. Já sinto tua alma ausente de nós.
Compreendi o abismo entre nosso entardecer. É que ás vezes sinto muito medo e
você sorri, apenas. Liberta-te. Compreendi o quanto precisas explodir teus sonhos de mulher.
Voe enquanto tens coragem e juventude. Arrisque mais. Mas suplico, ouça-me. O
mundo não é como uma frágil bolha de sabão. Ele não é transparente, e nem seus
filhos o são. Nem tu és como uma rude bolha de aço. Vá amar intensamente,
compartilhar loucuras, gritar revoluções, sentir furacões arrepiando a pele. Só
não te esqueças de despir o manto iludido da coragem. Vá brigar com o mundo,
Teresa, de mãos dadas com a cautela.

quinta-feira, 22 de julho de 2010


Ninguém acredita quando digo ser dono de uma solidão esplêndida, que
transborda da alma como leite esquecido no fogo. Ando só ao longo da vida. Pleno de mim. E, se fecho os olhos para descansar um segundo e me descuido, perco a
rota. O sentido desaparece. Até os caminhos me abandonam. Mas sabe, ainda posso sentir
aquela força inexplicável nascendo no peito. Aquele brilho nos olhos. É quando percebo que sou capaz de
construir novos caminhos com outros passos. Eu aprendi a retomar o rumo. Aprendi a recomeçar.

domingo, 18 de julho de 2010

Quando se pensa demais

Pensamentos dispensáveis, curvilíneos e roucos, desses que a vazar pela madrugada distorcem a calma e invadem qualquer quarto apagado supostamente cheio de sono, põem-se a desafiar o sossego da alma. Escutava este raciocínio desacreditado, até experimentar o abismo interminável de silêncio, motivo de guerra extraordinária entre sanidade e loucura, concorrentes famintos por nosso tempo. A maior inquietude nasce da quietude humana e provoca avalanches na mente. Vovó já dizia “cabeça vazia, oficina do diabo”. Sempre escutei os mais velhos, apesar de sua fala não trazer em anexo um manual com instruções ou uma comprovação científica ou um tradutor para a modernidade, mas só pude realmente compreender o dizer ao tornar-me dependente da solidão e permitir que idéias tortas e descoloridas acompanhassem-me por dias. Não que eu queira entrar no plano das crenças, longe disso, este momento é impróprio para discutir o poder real dos deuses, se é um ou mais, vivo ou morto, não sei. Para isso, não ter argumento é meu único argumento. Só digo o que sinto, nem mesmo o que penso. O que penso só penso, sem longas explicações. Apenas o que sinto consigo destrinchar. E sinto, quando calo-me apático, e sinto, quando reprimo a voz, e sinto, quando assassino os sons. E sinto, diabo é pensar demais. Sem filtro. A solidão mente vestir-se de tristeza e significar silêncio. São três pontos diferentes capazes de se cruzar. Só que às vezes, por estar triste e sozinho e calado, a gente acaba escutando de si o indevido. A partir de então, começa a inventar histórias improváveis, conversar com pessoas inexistentes, preferir ficar em casa a ir ao cinema, preferir ficar em casa a ir trabalhar, fingir surdez ao trim trim do telefone, esquecer que há mundo lá fora. A partir de então, a gente fecha as portas e as janelas, abre os olhos somente em lágrimas até afogar-se e inventa que a vida, mesmo tendo, não tem mais solução.

Quando pensamos demais, acabamos por encontrar caminhos que não deveriam existir. E possíveis perigos, antes incapazes e frágeis, podem agora nos impedir.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O poema da face que escolhi

Quando eu nasci
me contaram que um anjo safado torto chato
viria para decretar como eu deveria ser
esperei
mas ele não veio

E como não veio
escolhi ser poeta
pisar leve em palavras
sem licença ou vergonha
escolhi fazer escolhas na vida

[meu lixo anda cheio de determinações]

sexta-feira, 25 de junho de 2010

pedras preciosas

...para respirar o ar poluído depois de solver um tanto de sol e massacrar meu tempo dentro do maior abraço do mundo enquanto ouço confortavelmente o leal discurso com as mesmas simples palavras terminar em sermão. Para sentir o cheiro do café amargo às 6 seguido do gosto amargo do café às 7 e comer broa de padaria e depois deitar em sua cama atravessada esticando tanto braços como pernas sobre o cobertor já aquecido pelo seu corpo bruto. Para compreender o motivo de toda extensão por considerar a estima das conquistas, comendo arroz fresco ao escutar histórias e intrigas de casal e reabastecer as esperanças e remoçar a calma criando novas formas que irão enrijecer as pernas que irão retomar o rumo e gritar o quanto tudo valeu a pena, enfim, deitando cedo, fechando os olhos, sendo acariciada por mãos aveludadas em amor e amar e sorrir e amar. Para isso, não só, estou em casa, outra vez. Portanto, concordo quando afirmam haver um porto. E digo mais, há também um porta-jóias que nos guarda.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ontem eu vi

Ontem eu vi dois bichos se embolando como linhas criam nós.

Ninguém sóbrio definiria o limite das pernas e braços dançando harmonicamente ao som repetitivo de tum tum tum.
Eu vi tudo aquilo que tinha escrito antes quanto aos olhos tornar-se realidade.

Esfumaçaram a cena.
Distorceram.

Só entristeci pelo fato de minha personagem não ser aquela mulher cabelos longos pretos lisos.

Ela estava louca na roda rodando encostando amassando seus peitos um contra o peito dele. Ela estava louca com a cintura fina sendo agarrada apertada sem pudor, o pescoço acariciado por mãos violentas e a pele em ardência pretendendo despir-se do meio externo e enlouquecer assim, de cara, no meio do salão.

Pareciam famintos
Nus
Sujos

Eu vi os corpos se atraindo e traindo. Bocas se beijando. Eu vi os olhos fugindo um do outro, mas também vi quando ele me olhou de lado de jeito bêbado.

Não sei onde foi parar a suavidade da prosa. Morreu no papel? Porque havia desejo desencantado. Fiquei com Nojo. A teoria determinista comeu meus versos bordados noutro lugar.

Eu vi dois bichos selvagens loucos nus descontrolados infiéis tentando se amar.
E se amaram sem amor.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Queriam não se querer, eu sei, é difícil lidar com o descontrole.

E, como se a noite viesse, afoita, jantar o dia, olhavam-se demais por não terem tempo. Olhavam-se demais por amarem demais seus pares, que longe, transportavam felicidade no relacionamento sóbrio, tudo que você espera de um amor para o resto da vida, nos pares alheios, morava. Estranho, olhavam-se demais, gulosos, tortos, ousados, vulgares. Despiam-se no centro em pensamentos. Por respeito aos amores eternos e intensos do outro lado desta realidade murcha, não ultrapassavam os dez metros estipulados um com o outro, naturalmente. A regra da sobrevivência da solidão, de fato, na cidade, cumpria-se com os corpos distantes, que mal sentiam os perfumes absorvidos na pele às seis da manhã cinza de terça. Não podiam sentir a pele, os lábios, o coração. Não podiam sentir. Confundir a razão e desintegrar a pose era comprometer-se a entregar ao risco os pontos frágeis. Fingiam-se de mortos quando cruzavam pernas no corredor, quase sempre, sempre. Mas olhavam-se demais, e que coração, e que cabeça será capaz de enganar os olhos? Queriam não se querer, eu sei, é difícil lidar com o descontrole.

terça-feira, 8 de junho de 2010

passando amando sentindo

Passo.
Não como passageiro. Não como espectador.
Passo, amo, sinto.



passar amar sentir não somente na estação.


Mas no trilho.

domingo, 30 de maio de 2010

Bela aceitou o convite de namorar o mundo.
Guardou os sonhos na bolsa e levou no corpo um vestido querido rendado de nuvem, desses que saem do armário em datas incomuns . Esta era uma delas: o grande encontro com o mundo. Ensaiou o que ia dizer e no final de cada ensaio modificava as palavras, mas não a essência. Bastava contar os lugares que vira, revelar a nova casa, o novo canto. Bastava viver de novo igual ao ontem e ao amanhã, entretanto, complicava a repetição. Catou margaridas no canteiro vizinho, trocou os passos e os passados. Foi escrevendo na calçada as honrarias, bailando a ponto de embolar os braços na cintura quando parou. Bela parou e Bela parou e parou. Até Bela parar de vez.
Procurou na bolsa e nada. No bolso e nada. Olhou em torno e nada. Estava esquecendo. Onde está o amor, Bela? Riu-se completa e foi buscá-lo no caminho.
Deve ter deixado em algum lugar por aqui que não sabe onde.
Não sabe onde.
Não sabe onde mesmo.
Você não viu, leitor, por acaso, uma metade da laranja, do limão, do abacaxi? Eu também não vi, já falei, mas ela não desiste e ainda procura. Jurou que não vai namorar o mundo com as mãos vazias de outras mãos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Esclarecimento consciente

às vezes, tudo que a gente mais precisa é mudar de si.
adeus:












fui morar num passarinho.

O mistério

Andava em direção ao escuro. Era um cais comprido demais para se perceber o fim, e enfim, o mistério na ponta estava vestido de não sei e pintado bem escuro que eu não via. Ia.
Andava sozinha. Minto, sozinha não. O medo estava comigo. Guiava-me sussurrando em meu ouvido com sua voz tão suave que me abraçava e eu não mais sentia o corpo. Eu, pena, flutuava. Vá vá, dizia constante, troque os passos sem saber. O mundo estava de cabeça para baixo. Eu torta e tonta só pensava que o medo não guia ninguém, apenas retrai. Mas o meu medo estava tão curioso para ver o que morava na ponta escura do cais que mais parecia ser coragem.
O escuro me consumia aos poucos. Eu desaparecia e no fim do cais sem fim fui a ponte a qual o medo atravessou. Avistei a distância. Saltei alto para agarrar o céu esquecendo-me de que não tenho asas. Esquecendo-me de que minhas asas estão na mente e só voam dentro da mente. Saltei mergulhando na profundidade indecifrável e então, ao abrir os olhos, vi que a escuridão na ponta do cais sou eu.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

a poesia.

Não bebe um poeta tantas linhas programadas. tortas ou planas, que sejam intensas e poucas.
ou muitas, que sejam.
Não bebe um poeta louco ou são.
o grito. o pedido.
a bosta no sapato às seis da manhã. às vezes às sete. às vezes.
tudo é motivo moído mastigado e cuspido.
tudo é tema, é base.
e o poeta edifício edifica calmamente no sinal vermelho.
não rouba ideias de outras cabeças.
não está ali para fazer química de letras. nem física de encontros. nem sensibilizar sempre.
atenta pros olhos.
pros sonhos estragados.
não se embriaga de nenhuma metade, a metade não enche o copo. e o copo é meio vazio.
engole a dose completa.
A palavra fede, espeta e belisca.
Não bebe um poeta preto no branco.
Ela tem cores, odores, texturas.
Ela tem tempo, medo, medida infinita.
Ela viaja pelo mundo arrumando bagagem.
dá poeira à estrela.

ela tem tudo que só cabe em si.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ser gramática

Mari passeia entre linhas

Sorri nos pontos
Devora as vírgulas
Cai de um parágrafo

a outro
E cansada,
adormece sobre o
travessão.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O banho

Há tempos sonhava com esse dia.
O peso da obrigação nas tarefas doía em suas costas como se carregasse consigo o universo inteiro. Familiarizara-se como transportador ou carregador das coisas existentes; o carteiro caminhando com pedras. Levava na bagagem tantos quilos que a obesidade parasitava no corpo daquele homem sugando seu líquido até desidratá-lo, absorvendo os sentidos para torná-lo homem comum.
Ser comum é ser mais um na multidão. É aderir pressa ao cotidiano, maquinando-se como personagem na cidade grande. Não viver, encenar. Se adequar aos métodos práticos, quase esquecer o que é raro. O comum trazia um desanimo incomparável.
Mas chegou o dia. E veio, meio assim, sem avisar.
A água escorreu pela pele, desenhando gotículas e acariciando cada mísero poro negro, ele pôde sentir o céu rente ao peito. A espuma do sabão beijou o corpo delicadamente. Sentiu aveludar a alma. Foi pelo ralo todo o peso, toda dor, todo desespero. Banhava-se de paz. As pedras para aliviar o futuro foram pelo ralo com o fluido incolor na harmonia de um balé. Saiu dali tão claro a ponto de brilhar, e pôde, enfim, sentir leveza. Abriu as asas.
Limpou-se do mundo. Sorriu.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Juleu e Romieta não é romance

Tinham lá seus vinte anos. Dois a mais, exatamente. Era a idade da irracionalidade, a idade da desordem, do caos. Deveria ser. Tinham a idade das revoluções e amores corajosos. Sentados, um à frente do outro como reflexos espelhados, fixavam os olhares no ponto alvo: outros olhos. Mas não tinham o tom de parir inveja alheia. Bastava matar por alguns segundos sua atenção que ficava simples interpretar o teatro absurdo. Porque tinham tudo para dar certo, porque tinham tudo, tinham uma expressão velha e pálida. Há quem não goste da felicidade. Há quem procure o obscuro, o sem sentido. Faltava ali o caos que a idade proporciona, as revoluções. Estavam chatos. Estavam cansativos. Estavam repetitivos. Estavam prolixos. Estavam, que fiquei também. Até descrevê-los é chato. É cansativo. É repetitivo. É prolixo. (Essas palavras também estão isso). Estavam cansados um do outro, e eu deles. O texto era inverossímil demais para ser lido e acabei ficando enjoada e vomitei um tanto de falsidade e fui cuidar da minha vida. Agora, o que mais quero?
Quero um romance de verdade.

sábado, 1 de maio de 2010

De palavras e versos, bons amigos se fazem!

Quis levar um tanto da umidade de seu ar
Ele respira muito seco no interior deste país
Levou gotas de poesia num embrulho discreto
Encantou levemente seus sonhos
Sonhos cruzam-se no caminho da palavra
Sobre os dois, o que dizer?
Fosse fácil, já tinham o feito há tempos
Mas há tempos ninguém cita poema como ponte entre pessoas
Entre carinho, conversa, vontade do amanhã
Ele, vive na frente do sol
Ela, vive na frente da flor
E vão vivendo assim, tão longe
Desencontrados encontrando
Desconhecidos conhecendo
Um ninho perfumado traçado em letras
As figuras não se movem
As fotografias despertam desejo
O que fala realmente são os dedos
Mas escreve no seu caderno que já anotei no meu
Ainda há de chover no coração do Brasil
E eles estarão lá, meu amigo,
Assistindo juntos ao espetáculo.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Olha, isso não é tristeza, é só saudade.

Mari olhou para a tela como quem olha pela janela. A visão curiosa do
conhecimento, os muitos quilos da obrigação. Queria fugir por cinco minutos da
normalidade de seus dias, fugir de si, fugir dali. Foi quando, longe, alguém
escreveu poesia de um jeito diferente, como se a poesia pudesse ser tocada,
abraçada, como se a poesia fosse gente, tivesse pele, cabeça, pernas, alma.
Carimbou com tinta amor umas palavras densas, amontoadas, sem pedir licença ou
mesmo por favor. Ela, ah ela, essa mulher que distante te entende, que
mistura o doce sorriso com lágrima salgada, que mistura os sentimentos como
mistura ingredientes para o bolo no café da tarde. E saem quentes, prontos,
cheirosos, deliciosos. Ela, que faz teu tempero perfeito. Ela, que de repente
enfeitou o momento, fantasiou o minuto, porpurinou o ar, fez voar toda a
felicidade do mundo. Que não diz apenas, mas apenas sente o que diz.
"Seu quarto permanece imóvel, nada se mexe nele, nada sai do lugar, tudo sempre
igual. Saudade dos livros, mil folhas de exercícios e apostilas sobre a mesa do
computador. "Não guarda não filha, deixa aí em cima, fica mais fácil. Saudade do
perfume, da luz acesa, "vai dormir Mariana", do creme corporal, "que cheirinho
gostoso é esse Mariana?" ah...e o barulho do chuveiro de manhã? Olha, isso não é
tristeza, é só saudade. Amo-te."


Olha, isso não é tristeza, é só saudade.

domingo, 25 de abril de 2010

domingo

napraça

no b a l a n ç o dapraça

felicidade menina:

vai vem vai vem vai vem

...

sábado, 24 de abril de 2010

De um ponto a outro .



Palavras passeiam de mãos dadas.

Oferecem rosas vermelhas tão vermelhas ao misturarem-se com o sangue vermelho escorrido pelos dedos de quem tocou os espinho desta mesma rosa. Carregam uma bagagem inconstante, misteriosa, intensa...Levam e trazem boas novas, como ondas a chegar e partir, sempre apresentando conchas às areias pardas e úmidas. São notícias escandalosas. Extra extra! Berram os meninos velhos na calçada, cospem palavras azedas a leite, paralelepípedos arrepiam-se. Mas quase não se vê mais paralelepípedos nesses tempos, nem meninos berrando extra extra em local público, nem particular, nem em lugar nenhum. Não se vê mais meninos berrando. Estão todos quietos assistindo à televisão. E televisão não se lê.

Não sei se isso é diferente ou teoria ou desvario. Não sei se meu coração está batendo forte ou quem sabe fraco demais para idade, ou se estou ao menos cansada da normalidade imposta oposta à felicidade geral da nação. É que leituras modelam aquilo chamado de Identidade. Muito prazer! Retiram excessos, inutilidades, pouco a pouco queimam papéis antigos e às vezes guardam-nos como jóias únicas debaixo de um colchão mole. Também são capazes de inventar poesias dentro de nós, descolorir nossos olhos, ou arrancar a venda, e veja, de repente, nada mais é como antes.

Há uma loucura silenciosa que por vezes não suporta calar-se, recorre, então, a elas, perigosas palavras.

É a contradição formando e deformando, prolongando e tirando a vida. É para perder-se e encontrar-se, é para privar-se do tempo, esquecer as horas, abraçar defeitos, odiar defeitos. É para ser!

Estamos cheios de pressa, não? Estou atrasado para nãoseiquelá, mas nunca estou atrasado para ler e companhia limitada.

Um dia, creio eu positivista, crianças mesmo miúdas, grãos rosados e frágeis, não mais ouvirão cantigas boi da cara preta e nem sairão no banco traseiro dos carros de seus pais desesperados para pegar no sono. Apenas ouvirão sons gotejando em letras dando lógica a sentimento, dando ritmo a poesia, dando expressão às linhas. Dormirão. E essas tantas letras, dispersarão pelo ar para cair como chuva, matando a sede das sementes de rosas vermelhas. E das sementes crianças. E das sementes adultas. E das sementes palavras.

domingo, 18 de abril de 2010

A tarde estremece.
Quebra-se em cores,cubismo óbvio.
Tudo está enquadrado do céu do meu apartamento. Tudo segue a receita maldita do futuro.
Não sei mais onde estão meus pés, não.
Provável estarem fora do chão, pois a frieza do piso foi trocado pelo calor do próprio corpo.
Suo o passado, sou o passado, mas estou no futuro.
Já imaginava não ser desta terra há tempos.
Seria eu do céu do meu apartamento? É imenso. É infinito. É ver com bons ouvidos.
Digo,
eu sigo como eu sempre sigo:

só infinito







e só.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Eu bem sei

Está difícil escrever sobre toda essa falta. Falta mesmo o que dizer. Falta até para entender.
Há o vão entre a janela observando o vento subir cantarolando e embalando-se sobre os cachos da trepadeira à frente. Abriram as flores de outono. São vermelhas sangue saudável. É o quadro que vejo. Mas ainda sobra ausência. Entre a pequena beleza que está nos fios costurados, nos laços feitos em nós, nos espaços dos retratos, no pó de nós, há falta. Falta saber de quê.

terça-feira, 30 de março de 2010

Felicidade instantânea

Andava com muita pressa e calor quando ouvi tocar, bem longe, uma guitarra. Agitava minha bolsa. Podia parar no tempo para explodir novamente como ali, e saborear aquela voz tantas vezes até me embebedar com aquele som, não o som nu, mas a lógica na ordem do som. Meus olhos lacrimejaram alegres, saltou de mim uma luz que deve ter cegado algumas pessoas, elas olhavam curiosas, espantadas, e tal. Refleti um brilho sol de meio- dia e saltei em busca de mim mesma, para encontrar-me ali, depois da esquina, com o futuro. Eu vi.
.Vi realidade virar sonho

domingo, 28 de março de 2010

Eu e ela

"- Estou precisando tirar férias de mim mesma.


Mudez absoluta.


-Eu não. Estou precisando tirar férias comigo mesma."

terça-feira, 23 de março de 2010

Fui-me Embora pra Pasárgada

Fui-me embora pra Pasárgada,
que fiquei perdida por aquelas ruas,
que pinguei gota a gota como remédio,
que não caibo mais no vazio daquele mundo velho,
nem ele, insano e torto,
preenche minhas vísceras por completo.

[sou pensamento novo a cada novo segundo]

Bem sei, tentei de tudo.
Conheci Teerã à Madagáscar.
Escorri na rosa dos ventos e
ventei o grito nos cantos.
Quero a loucura da rainha!
Intensidade do não conhecer.
Prefiro ter asas, ver por cima,
o plano baixo me bloqueia os olhos.
Prefiro ver em outra parte, de lá,
acompanhada pelo rei
na cama que escolherei.
Construirei a civilização aventureira
no rio, na bicicleta, nas histórias .
Arrumei minhas malas.
Recheei sonhos mofados com coragem lavada,
observei e estudei os mapas.
Não me espere para o café,
talvez não haja retorno.
Venha logo Manuel.
Estarei acontecendo!
Fui-me embora pra Pasárgada.





---

alusão a "Vou-me Embora pra Pasárgada", Manuel Bandeira.
Um dia, todo mundo quer ir pra lá.

terça-feira, 16 de março de 2010

Balança


Após pôr um pé na realidade, a gente põe o outro.
E espera, em companhia da senhorita paciência, devolverem o tempo de sonho em que se vivia.
Fica, tomando esperança em copo de cerveja na esquina até devolverem de volta a alegria.
A demora se cansa.
Alegria parda brota do chão naturalmente em aprendizado, sem semente ou água, nasce erva qualquer. [Mas não é qualquer].

Menino, escute seu Zé, ele sabe o que diz:
"Se estás no balanço, balança. Sonho é realidade bem vivida.".

Filipe

Seria contrariar a verdade se dissesse me lembrar minuciosamente do primeiro encontro que nossa mãe programou para nós, meio assim, cheia de entusiasmo e medo. Eu vagamente enxergo vultos como imagens delicadas de uma criança, pequena e gorda, na minha frente.
Venha ver o que ele comprou para você!Fui logo apressada, curiosa e interessada no embrulho presente sobre a cama. Sim, era belíssimo, encantador. Poderia dormir e acordar com tantas peças, móveis minúsculos e bonecos ao meu lado. Montava e destruía as casas fantasiosas que surgiam em meu mundo infantil. Completa criatividade, eu moraria junto com o brinquedo, se coubesse na caixa. Bem sei, reconheço o quanto me apaixonei por aquele presente. Como ele poderia saber perfeitamente o que gosto? Era apenas um menino novo, novíssimo, não falava, não andava, não corria, não saía, só chorava, só chorava e cagava. Mais tarde, quando os anos vieram roubar um pouco do meu encanto e ilusão, percebi que a escolha não tinha sido feita por ele. Mas, o que é isso? Ele tem uma pinta no braço? Sim, e o médico falou que nem precisaria marcação ou identificação. Este era originalmente original de fábrica. Mãe ria, sorria. Eu a acompanhei em seu gesto, ri e sorri encarando o menino da pinta. Faltou tocar sinos, porque ao examiná-lo, contando cada linha e atravessando seu corpinho com meu dedos de cinco anos, entendi o verdadeiro sentido de amizade. Então, finalmente notei o grande presente que tinha ganhado. Aquele bebê, aquele bebê seria meu presente para a vida toda, um tesouro, sem mapas, histórias, um tesouro não escondido, um tesouro na vitrine, exposto, em órbita, nu, espalhado, solto, livre. Constituído não de ouro e diamantes, mas de você, meu moreno, um tesouro todo meu de Filipe.


[Te amo]

sábado, 13 de março de 2010

Querida flor,

Não adianta, minha nega, todo mundo já percebeu. Inclusive lá em casa estão comentando. Está transparente e decifrável. Está no ritmo dos quadris, no brilho dos seus cabelos, na cor morena demais da sua pele. Não adianta. Está no ar que expira modificado, tão filtrado, um novo perfume. Nessa coisa toda um quê ímpar, completamente seu, privado. Voltou no tempo, voltou? Pois parece que voltou à idade flor da vida. Como se recolhesse os frutos e revolucionasse os sabores. Você não me engana mais. Descobri a fundo seu segredo em uma traição própria: ele revelou-se. Entendo, flor, não há hora ou data marcada para ser feliz, mas peço humildemente que dissolva esse tanto de poesia no chão ao passar. O céu claro demais, o sol quente demais tem sede de ti. E eu cá, estou cansado. Diferente do que vejo, esses móveis são obviamente mais velhos que eu, mas andam com postura ereta melhor que eu. Não ria. Apesar do riso ser a expressão habitante na face dessa ousadia juvenil. Declaro a incógnita exposta. Você não me engana. Já descobri porque está assim tão leve, jovial, solta, o andar quase bailando pela principal. Pare. Causa ciúmes no velho. Agora vá! Vá vestir um pedaço de pano que cubra essa felicidade toda!

quarta-feira, 10 de março de 2010

Crítica suave

Não há necessidade em nos auto declarar constituídos de metais pesados. Somos frágeis demais para tais comparações. Nem sempre podemos nos caracterizar rígidos, duros ou firmes. O vigor raramente nos ensina. Na maioria das vezes é concreto aprendermos quando há flexibilidade no conteúdo, possibilitando enxergar de maneira neutra ou positiva não somente o que convém, mas também o que repugna. Ando pensando e minhas reflexões levam-me, comummente, à perguntas anos-luz mais complicadas e temíveis que as originais ao pensamento. Alguns passos para trás revelam visões distintas do futuro, atitudes, quem sabe, inovadoras. Mas cheguei a uma conclusão - posso estar errada ou não, e desculpe-me se tiver tomando seu tempo com discussões supérfluas e se nossas opiniões tomarem caminhos opostos - que líquidos com certos metais rapidamente morrem, se assim podemos metaforizar, enferrujam. Logo, descobri que quero estar fundida e ser preenchida de matéria gelatinosa, a qual eu possa moldar quando bem entender ou ela própria moldar-se naturalmente quando necessário, no tempo e no espaço. Quero ser disso, sei lá o quê, para poder adaptar-me a condições oferecidas pela minha vida. E eu mesma, modificar minha forma, nunca faltando a substância, mas modificar minha forma a fim de encontrar o pote que me sustenta. Há um equilíbrio, não perfeição. Óbvio que raros são aqueles que já encontraram este estado. Eu mesma ainda não. Mas sendo assim, e sabendo que assim devo ser, fica mais fácil descobrir a real constituição. Digo não a isso ou aquilo. Digo sim, estou na piscina em colóide pronta para reagir meus elementos.

[?]

sábado, 6 de março de 2010

Hei

Quando crescer quero fazer poesia na borda de vestido rendado.

Escrever rima no muro
ver minhas palavras colorindo o papel
alegrar pequenas cabeças
gritar nas bocas
entrar nos becos.

Como doce em tarde de criança
como sofá em casa de vovó
como futebol em domingo de pai
como feto em útero de mãe.

Quero ver colorir colorido
à guache, à óleo, à crepom
fazer poesia em pele de moça
E crescer como a poesia.

A poesia de mim que hei de crescer completamente louca!






Parênteses

( na madrugada, despertei ainda anestesiada do sono profundo ouvindo barulho de mar. Levantei da cama meio tonta, e cambaleando fui em direção à janela. A porta do quarto fechada proporcionava um ambiente escuro no qual a visão permitida era essencialmente mínima aos olhos. Mas o quarto era meu, por isso saberia mover-me de cabeça para baixo com venda preta, ou há milhas daqui em pensamento. Abri a janela para passar míseros momentos apreciando a paisagem. O barulho era tentador. Lentamente as peças de madeira se afastaram e o vão ficou formado bem ao centro, uma greta. Cocei os olhos para ver com objetividade, eu permanecia sonolenta. Vi foi uma parede amarela e um muro amarelo. À frente, o micro ecossistema - também conhecido como o jardim, área verde da minha casa - a grade, a rua, a casa da frente, a casa do lado da casa da frente, as pintura mal feitas, uma laje, um telhado, o poste marrom, a trepadeira subindo por ele, enfim. Vi tudo normal. Alucinação minha foi supor que abriria a janela e veria um belíssimo oceano azul com ondas quebrando na praia, barquinhos a navegar e umas gaivotas sobrevoando a região em forma de vê. Só depois fui descobrir que o barulho era apenas o meu ventilador. Era verão.)

quinta-feira, 4 de março de 2010

a ponta de sonho daquele dia

Vivi ou viverei
o caminho que finda num pedaço de céu,
onde folhas secas caem mesmo no verão,
onde o calor e o frio agitam ar em balé,
e vento preguiçoso acaricia o mato crescido na beira da
estrada.
Vejo olhares desconfiados a bordar o chão em passos.
Estes passos seguem uns aos outros,
sem pressa de ir. De chegar.
Sinto gosto do chocolate quente na caneca florida
aquecendo lábios e coração.
Abraço todo espaço no abraço
vazio sereno completo.
Fotografia ficou branca de sonho
que fechei forte os olhos para só sentir
desejo.
Foi a paz boa de ter,
foi amor virar solução,
foi nossas mãos parecerem ter dado nó.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Que adianta pintar a fachada de SorrisoS ,
se, por dentro, a casa está mofada?

segunda-feira, 1 de março de 2010

Era uma vez uma lagarta verde que se camuflava nas folhas verdes de um campo de girassóis. Morava, desde pequena, naquele belo lugar, povoado de ninguém, só de flores amarelas como o sol girando e girando e jamais se cansando de girar como o sol.
Deu primavera, lá em Setembro mesmo, aposto, e a lagarta sentiu um sentimento novo, sei lá, amor e ódio. Queimou o corpinho verde. Ela chorou a dor que doía. Foi-se embora morar numa casa feia. E lá ficou por muito dias, lá ela refletiu sobre sua vida e escolhas, metaformoseou outro ser. Sabedoria, equilíbrio, tudo veio ao vento, soube lidar com problemas e crescer forte. Saiu borboleta.
Ao abrir os olhinhos viu muitas telas de mesma cor. O amarelo do campo ressaltava seu azul do céu. Os girassóis nem mais se importavam com o sol. A conversa fiada de quem é essa borboleta céu nova que chegou de onde veio nunca vi ela é bonita sei não era preocupação geral. Quase fizeram revolução, história para boi dormir, mentirinhas, quem conta um conto aumenta um ponto, coisas de vizinhança.
O tempo, deus dos deuses, foi passando, passando. Quando um dia, quem passou por ali foi um homem. Alto, esbelto, jovem, cheio de vida, reflexo de saúde e blá blá blá, encantou a borboleta , que se apaixonou.
Liberdade no amor não há. Há um corpo só quando os dois corpos se juntam. Foi então, entre suspiros e voos, que ela e todo seu azul colaram-se na pele do homem, rasgou o desejo, sangrou azul. Virou tatuagem em um corpo só. Porque liberdade no amor não há.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

She's Only Happy In The Sun


Peço perdão por não saber perfeitamente o que sentir, o que pensar. Então me retraio, guardo-me repleta de fantasias foscas empoeiradas com cara de armário. Uma dúvida visitou-me junto com a chuva. É lindo: lágrimas de Deus beijando a terra no jardim. A grama verde, as árvores verdes, a esperança despertando. Complicado escolher a melodia, um blues, um jazz... Peço perdão. Mas é minha vez de optar.



I know you may not want to see me
On your way down from the clouds
Would you hear me if I told you
That my heart is with you now

She's only happy in the sun
She's only happy in the sun

Did you find what you were after
The pain and the laghter brought
You to your knees
But if the sun sets you free
Sets you free
You'll be free indeed

She's only happy in the sun
She's only happy in the sun

Every time I hear you laughing
I hear you laughing
It makes me cry
Like the story of your life
Of your life
Is hello and goodbye

She's only happy in the sun

( Ben Harper)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Doce e sal

Eu, louro e perdido nas ruas do centro, conheci Cecília. O calor de duas e vinte e pouca da tarde em Niterói desmorona qualquer um, embatuca-nos em assento, peito contra o vento. A pele abria os poros de onde nasciam as gotículas suadas de líquido e minerais. Isso me coça. Até arde ligeiramente feridas expostas, como sal na carne viva, tempero na sua carne. Eu era sal. Todas aquelas pessoas disputando os fregueses e ecoando berros através das pilastras altíssimas, sustentadoras de prédios iguais, implicavam em uma dor latejante ao redor dos meus olhos. Em dias claros-barulhentos manter abertos os olhos era pecar contra meu próprio corpo. Afinal, a genética cruel estabelecera que já ao ser parido, esse menino, cara de pobre diabo, levaria sempre consigo duas janelas de vidro no rosto para ver o mundo nítido, bem enquadrado, enfim. Mas a nitidez não impedia de me confundir e embolar as ideias. Sem saber direito se direita ou esquerda, eu ia. Era a primeira semana. Eram 19 anos. O asfalto dilatava e o vapor flutuante se tornara perceptível ao longe; as miragens eram desfeitas pelos carros; o lixo envergonha as esquinas; e eu ali, há muitos quilômetros de onde queria estar.
Orientado pela sorte, fui seguindo o instinto feminino que não tenho até avistar uma praça, um Teatro, uma rua larga. A rua larga( despertei)! Apressei os passos, encurtei a troca de pernas, trilhando em fila com gente mais estranha que vi na vida. Se era maratona, nem sei, mas havia uma pressa generalizada, como se o mundo acabasse amanhã: vou ali e já volto. Num pulo. Por essas e outras...
O alívio percorreu a corrente sanguínea quando saboreei a fragrância de mar. Ouvi violinos inconscientemente, juro. De repente, quebrando o gozo do encontro, senti um ar doce tão doce de causar enjoo. E o ar me acompanhou durante boa parte da caminhada, por vezes vigoroso, por vezes débil. Era cheiro mar, doce. Mar, doce. Foi continuamente nesse ritmo que acostumei as narinas ao odor delicado. Andava. Você deve estar se perguntando: onde está Cecília nesta história? Pois bem, não o culpo, dei longas voltas até chegar ao ápice do texto. O que você não sabe, nem eu sabia, é que este aroma, seguindo-me por ruas desconhecidas, era Cecília.
Bem, reconhecendo a travessia para minha estadia, andei próximo ao mar, fotografando as barcas mentalmente, uma a uma, lotadas. Cada vez mais o espaço entre as pessoas na calçada aumentava. O doce de Cecília, que eu ainda não sabia que era dela, nem que se chamava Cecília, parecia guiar-me. Eu ia. O suor molhando os cabelos louros, as pernas um tanto tremulas. Eu ia sal. Os espaço entre as pessoas era maior e maior e maior, até ficarmos eu, o sal, o doce, e Cecília.
À minha frente, dez metros mais ou menos, estava a garota de fios pretos lisos sobre os ombros, o balançado natural de atentar qualquer macho. O jeans na calça, claro e sujo, mochila cor-de-rosa alternando com cinza, e tal. Nas mãos levava muitos cadernos, papéis. Mergulhei em curiosidade. Pensei em ajudá-la, mas o seu perfume continha meu corpo, era quase automático. Não conseguiria acelerar ou ultrapassá-la. Descobri, portanto, que ele não me seguia. Sim eu o seguia.
Atravessamos uma rua perigosíssima e movimentada, íamos diretamente ao mercado do peixe, coincidentemente, íamos. Veio brisa forte que levantou os cabelos de Cecília no charme e poesia entrelaçados. Uma folha de papel foi ao chão, discreta e leve. Quando abaixei-me para pegá-la o doce já havia envolvido-se com cheiro bruto de peixe ou misturado-se com a fetidez humana no mercado. O perfume dela era sobre humano. Impossível de ser confundido. Apaixonante. Morrera naquele instante. Entristeci.
Ao examinar o papel deixado para trás, cuidei dos detalhes nos giros letras; eram uns cálculos, complexos, que não compreendo, nem quero, pois minha grande paixão são as letras, livros e poesias. Não números. Na borda, escrito a caneta cor-de-laranja, o nome: Cecília. Foi então que a fim de retomar meu objetivo virei a favor do mercado e sonhei novamente com o cheiro memorável da garota. Mas logo gelei a alma ao ouvir uma voz feminina me chamar: ei!
Revirei-me e notei a presença dela, todo o perfume a vestia.
Ela sorriu, doce.
Eu, sal.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

de cima

Decolou a nave prata dura que não derrete
o fogo.
lançou queimando a atmosfera terrestre
assustou os seres das asas tortas
rasgou a camada fina, virou fogos de artifícios.
De cá, meu amigo, compreenderia quão pequena é sua matéria
como grande é a alma sua.
o sol mais nu cegou meus sonhos,
seguiram longe, distantes da impossibilidade de não acontecerem.
Astronauta vá.
Daqui, a esfera é bem azul. Lindíssima, lembra o mar.
o dia já nasce noite de dia.
A noite vem trazendo o descanso para olhos sós.
E a noite vem ninando os homens sobre as estrelas, outros planetas,
não fui.
os dedos do céu giram o sol, que é lua, não há pôr-do-sol, só brilho.
na janela da tela do lado de lá, meu peito transborda, anéis de Saturno.
Aquário, Marias.
Daqui de cima, tudo é desafio. Escuridão clara,
vê.
Grita o teto de Deus, meu amigo, ando perto de Deus.
venta. minto,
foi cometa.
somos cometas.
e no papel da galáxia, desenham os amantes vãos
a noite que
vem ninando os homens sobre as estrelas.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

É como se, de repente, você fosse presenteado. Muito bem presenteado. É como se em uma terça-feira comum, e você acordando cansadíssimo( ainda), com o cabelo repleto de nós e um rosto amassado, fosse presenteado. Bastou abrir os olhos e enxergar na sua estante, (digo estante não naturalmente, claro, pois nesse texto nada é concreto. Cada palavra diz mais do que é capaz. Cada leitor, lê do seu jeito. Dirão, por certo, que não escrevo com bom senso. Prefiro dar fim a minha história a discutir complexidades da mente neste momento, mas a lógica, única que eu conheço, se conheço, ultrapassa o entendimento. A escrita é consequência de viver. Viver é, por si, incoerente. A vida é para os corajosos, e um tanto loucos. Portanto, por aqui, até o ponto final pode significar o início.) logo ao lado da bagunça que nunca consegue tempo para arrumar.
Ele não veio em uma caixa, papel colorido, e não veio com fita fazendo laço ao redor.
Você, simplesmente foi presenteado. Tinha o cheiro inesquecível de alguém, a voz inesquecível, o abraço infinito a ponto dos braços se perderam e serem confundidos. Uns desejos antigos, qualquer valor absoluto ou abstrato que pedisse estariam dentro da lembrança. Num de repente, espirrou, piscou e ganhou o presente para a vida toda.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Distante da vida na terra.

Eu a vejo assim: parada, quieta, às vezes sorrindo. Assim, às vezes de lado, acanhada. Vejo-a por completo, como é. Exatamente. Em desenhos perfeitos dela e nela, fotografo. Curvas tortas, fechadas, abertas, curvas muitas, faço quadro. Eu a vejo fora de si, onde? Nem sei. Só há matéria. Exatamente ali, assim.
Ela vem me perguntar: pareço distante da vida na terra? Talvez. Penso, repito. Distante da vida na terra. Mas a distância também tem sua validade porque nos instiga. Tem o poder que eu sonho em ter, cria e dá fim a sentimentos.
Quem teve a graça de nascer com bons olhos e alma grande, sabe que tudo vale a pena. É justamente aprender e “reaprender” o sentido dos homens. Passam tantos com muita pressa, esses homens caminhando, que entre eles perdem-se os valores.
A distância revela o que a peneira quer tampar: detalhes. O verdadeiro porquê do acontecimento. Um amor amargo imenso àquilo deixado para trás. Ela revela.
Lia-se. Leia-se, interprete. Nunca se está longe de tudo. Aqui existe o pedaço de uma coisa, o fim de uma coisa no universo. Este fim é o início de outra coisa. Não sei lidar com o mistério. É contradição, pois tudo acaba. Só que no limite de algo há outro algo. Então, nada acaba? Não há distância real. É relativo. Deixo-a onde quer. Se ela está distante da vida na terra, pode muito bem estar mais próxima da vida em si.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Travessia

A ponta dos dedos do poeta é de pó de ouro.
Tem cheiro de jasmim da índia com perfume alecrim.
Faz tilim-tilim como o sino da Matriz.
Pés de bailarina em mãos, delicada e rude.

É com ela que o poeta desenvolve a criação.
Com ela se cala ou fala o universo.
É mistério, enigma e certeza.
Porque a ponta é a estrada da palavra.

De longe, ao vento, umas letras infiéis.
Perto, rente ao peito, à ponta,
elas, tortas se endireitam.
Gritam perturbadas!

Esse pó, nesse pó, nesses dedos
A textura de si escorre pelo corpo.
A ponta dos dedos é ponte entre alma e papel.
E pela ponte o poeta se faz.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Luar

Andamos uns 700 metros com os pés no céu e as mãos no chão. Pisando em estrelas e contando buracos no asfalto, foi de cabeça para baixo que nos reencontramos. Vivendo de novo um novo meio cheio de coisas velhas, meio vazio de surpresas. Tantas caretas ao desabafar besteiras, ao nos entendermos. Se é que existe o entendimento em sonhos.
Quando a borboletinha amarela pousou na calçada, foi riso louco querendo sair. Saiu. Ficamos perdidos naquela cidade tão ausente em nós, tão passada no passado. Foi carinho ali, desta maneira: teorias de tudo, com tudo, por tudo.
Você roubou flor no jardim de uma casa branca que parece de boneca. Pôs em meus cabelos e ela quase desapareceu entre tantos fios castanhos. Não houve contentamento.
Umas nuvens cor-de-rosa dominaram os pés, e quase assistimos à cena de cinema ao desviar com asas o avião seguindo para São Paulo. Dizem que lá não há quem te cuide e veja. Eu que não mudo para São Paulo. Eu que não troco meu carro de pão na minha rua pelas buzinas e prédios de São Paulo.
Você me deu uma estrela de presente e pôs até meu nome, mas não gostei muito, desculpa. Se eu pudesse, escolheria o luar. Mas tivemos muito medo de buscá-lo, entendo, enfim, porque deixamos os presentes de lado.
Corremos, então, na rua das árvores sem ninguém e escutamos uns cantos sobre amores passeando na esquina. Tinha uma voz mais que grave como Tim. E parados olhamos nos olhos dos nossos olhos, cultivamos desejos, perdoamos o tempo, compreendemos os erros, e criamos um sentimento diferente com todasascoisasboasdessemundo dentro. Ainda sem nome. Mas um dia terá. Se você vier...

domingo, 31 de janeiro de 2010

Desejo

Desejo a você rede na varanda
varanda para o mar
noite de lua cheia
céu sujo de pontos brilhantes
sol que se põe em cor-de-laranja
praça verde com árvores e passarinhos
dias tranquilos
dias a mil
serenatas apaixonadas
boas histórias para contar
bom livro para ler
sonhos para crescer
desejo muitos desejos
assim como meu grande poeta me desejou
Pernas fortes a caminhar
caminhos a seguir
escolhas
desejo um beijo
beija-flor no jardim
o mais simples
o mais belo
sorrisos
vontade de seguir
desejo carinho.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Pedido de aniversário

Quando nasci pela vigésima vez,
não quis balões coloridos pendurados pela parede,
nem bolo de chocolate coberto por confeites,
nem velas decoradas,
nem sacos de doces ou guloseimas.
Não quis roupas, sapatos e bolsas,
eletrônicos, livros e discos,
passeios, reuniões ou aplausos.
Não, não quis nada disso.

Quando nasci pela vigésima vez,
fechei os olhos fortemente e fiz um pedido para os céus.
Pedi dias amarelos, paz e pessoas.
Pedi pessoas de todas as cores, de todos os gostos.
Pedi pessoas amadas e divertidas,
inteligentes e verdadeiras,
curiosas e incitantes.
pessoas sábias.
pessoas cheias de luz.
Sim, foi isso que pedi.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O dia passou com a cara de domingo, que era, a esperar o objeto preto com botões numerados soluçar. Um chamado. Um apito. Uma sinal qualquer, menos o silêncio, por favor. Alguém querendo saber como está. Ou contando boas novas. Ou deixando recados. Ou fazendo murchar a saudade. Alguém que respire, menos o silêncio, por favor.
O dia passou sentado no sofá da sala mais da metade de suas horas. Nunca o aposento foi tão bem observado. A tintura saía na parede da janela, no terceiro canto nascia teia de aranha, duas das três mulatas de gesso sobre a estante estavam com rachadura, o rodapé tinha uma mancha amarela, o tapete dobrava em uma ponta...Detalhes que não veria, se não fosse a espera, e o silêncio na espera. No silêncio paramos para ouvir melhor os pensamentos. Foi ali que o dia parou. Foi drama.
O coração disse para a cabeça, vá você. A cabeça disse para os dedos, disque você. Os dedos, revoltados, corajosos, não não não. Recolheram-se no peito.
O dia fez-se em noite, sem barulho, sem trilha sonora. Ficou na paz, para muitos. Ficou no inferno, para si. Uma solitude de domingo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010



Com o tempo, a gente descobre que o pote de ouro é, na verdade, a busca pelo pote de ouro.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

sou

sou o início.
artigo definido, mas nunca frase completa.
desfaço-me em leve fumaça cinza metropolitana.
nas caras pintadas, sou personagem de mim.
nas ideias tortas e retas tento ser, sem censura.
sou confusão que se enlaça em fita de cetim vermelha.
sou piano e guitarra, na melodia, por vezes, perfeita.
sou escova de dentes com pijama de bolinha lendo na cama.
vestido clássico em noite de festa.
a divisa entre o sim e o não, com direito à placa "bem-vindo a".
poema barroco.
erro.
sou sonho enganado, fantasia carnavalesca.
sou pontos, linhas, vírgulas, exclamações, interrogações, parágrafos...reticências...
montanha de coisas, posso dizer.
montanha de tudo, posso dizer.
às vezes, montanha de nada.
também sou o vazio. um vazio cheio do nada.
sei ser emoção, alguém passageiro, alguém descansando.
e clichês, dúvidas, gírias, dicionários, revoluções, auroras, canções, dias da semana, minutos da hora.
sou dois olhos e um nariz e uma boca e um corpo e muita mais.
gotas no oceano ou oceano de gotas.
às vezes, sou grande e só me vejo.
às vezes, sou pequeniníssima, poeira no porão.
às vezes, sou no ar, passarinho.
às vezes, sou no mar, tubarão.
às vezes, sou na terra, humana.
um recomeço, o fim de um texto.
um ponto final.
uma perplexidade, que nem sei se sou.
sou?

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Balõezinhos, de Manuel Bandeira




Na feira livre do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
-" O melhor divertimento para as crianças!"
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,



Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.
No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,



E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças,



O tostão é regateado com acrimônia.
Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.



Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
O vendedor infatigável apregoa:
-"O melhor divertimento para as crianças!"
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo e espanto.









( Poema de Manuel Bandeira e ilustração de Teo Puebla)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A carta, Madá

Numa madrugada, quando só, resolveu tirar a limpo uma história que haviam lhe contado sobre Jorge. Acendeu todas as luzes da casa, e revirou os documentos velhos, roupas e tralhas nos quartos e armários. Quis desistir inúmeras vezes, mas inúmeras vezes seguiu em frente com a ideia de desvendar o mistério e revelar aos tomadores-de-conta-da-vida-alheia a inocência de seu marido. Era tarde, estava cansada. Impossível existir tal carta, absurdo, dizia seu coração. Sentiu um leve enjoo no estômago, ardência nos olhos e a vista escureceu. Teve medo de desmaio, respirou fundo e pediu a Deus para ser tudo uma mentira. “Melhor deixar esquecido”. Até que a impaciência invadiu a alma e com pavor suas mãos agiram, quase como máquinas, e derrubaram a montanha de sapatos no fundo do guarda-roupa. Lá estava. A cabeça doeu. No canto esquerdo uma caixa. Objeto de morte ou vida. Cubo preto; revestido por veludo. Antigo; empoeirado; leve; trancado. Mas Jorge era tão estúpido que deixava a chave logo ao lado para não correr o risco de perdê-la.
...
Quando se envolveu na leitura daquele texto Madalena não sabia de mais nada. A folha ainda dobrada continuou dobrada. Bastavam as primeiras linhas para compreender. Era como estar perdida na mata escura, ouvindo vozes que confundem, apenas. Era como se a vida inteira, as coisas, os filhos, fotografias e lembranças fossem ficção e estivessem no último capítulo, no último minuto, acabando para sempre. A felicidade escorreu pela calha e seguiu como rio. Esteve mergulhada em traição todo esse tempo. Como pôde fazer isso comigo? Pensava e batia na cabeça, que doía mais forte. Era um prego. Ele amava outra.
Quis chorar, mas a raiva impediu tanto desespero. Cresceu, então, em coragem. Olhou para cima e odiou o teto. Para o chão e odiou o piso. Para o espelho e odiou-se. Odiou Jorge, sua casa, aquele momento, as letras, a carta, a caneta. Odiou o casamento.
Pensou de imediato em queimar o papel, mas não. Seria sua voz contra a dele. Ninguém provaria a verdade. Pensou em pregar no portão, mas não. Seria condená-lo à guilhotina.
“Estúpida, boba, burra” repetia.
Caiu na cama como um corpo em decomposição.
“Vou matá-lo”. Transformou-se, virou monstro. Socou o colchão, socou os travesseiros. Decretou o fim. E, após cansar-se de tantos socos, ficou parada sem vontade nem de fechar os olhos. Madalena passou horas assim, como estátua; rígida; pedra; mórbida; pálida. E adormeceu sem perceber, de mente vazia.
Sem perceber que as últimas linhas da carta diziam: “Te amo e amarei por toda vida, minha querida, Madalena”.