domingo, 28 de fevereiro de 2010

She's Only Happy In The Sun


Peço perdão por não saber perfeitamente o que sentir, o que pensar. Então me retraio, guardo-me repleta de fantasias foscas empoeiradas com cara de armário. Uma dúvida visitou-me junto com a chuva. É lindo: lágrimas de Deus beijando a terra no jardim. A grama verde, as árvores verdes, a esperança despertando. Complicado escolher a melodia, um blues, um jazz... Peço perdão. Mas é minha vez de optar.



I know you may not want to see me
On your way down from the clouds
Would you hear me if I told you
That my heart is with you now

She's only happy in the sun
She's only happy in the sun

Did you find what you were after
The pain and the laghter brought
You to your knees
But if the sun sets you free
Sets you free
You'll be free indeed

She's only happy in the sun
She's only happy in the sun

Every time I hear you laughing
I hear you laughing
It makes me cry
Like the story of your life
Of your life
Is hello and goodbye

She's only happy in the sun

( Ben Harper)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Doce e sal

Eu, louro e perdido nas ruas do centro, conheci Cecília. O calor de duas e vinte e pouca da tarde em Niterói desmorona qualquer um, embatuca-nos em assento, peito contra o vento. A pele abria os poros de onde nasciam as gotículas suadas de líquido e minerais. Isso me coça. Até arde ligeiramente feridas expostas, como sal na carne viva, tempero na sua carne. Eu era sal. Todas aquelas pessoas disputando os fregueses e ecoando berros através das pilastras altíssimas, sustentadoras de prédios iguais, implicavam em uma dor latejante ao redor dos meus olhos. Em dias claros-barulhentos manter abertos os olhos era pecar contra meu próprio corpo. Afinal, a genética cruel estabelecera que já ao ser parido, esse menino, cara de pobre diabo, levaria sempre consigo duas janelas de vidro no rosto para ver o mundo nítido, bem enquadrado, enfim. Mas a nitidez não impedia de me confundir e embolar as ideias. Sem saber direito se direita ou esquerda, eu ia. Era a primeira semana. Eram 19 anos. O asfalto dilatava e o vapor flutuante se tornara perceptível ao longe; as miragens eram desfeitas pelos carros; o lixo envergonha as esquinas; e eu ali, há muitos quilômetros de onde queria estar.
Orientado pela sorte, fui seguindo o instinto feminino que não tenho até avistar uma praça, um Teatro, uma rua larga. A rua larga( despertei)! Apressei os passos, encurtei a troca de pernas, trilhando em fila com gente mais estranha que vi na vida. Se era maratona, nem sei, mas havia uma pressa generalizada, como se o mundo acabasse amanhã: vou ali e já volto. Num pulo. Por essas e outras...
O alívio percorreu a corrente sanguínea quando saboreei a fragrância de mar. Ouvi violinos inconscientemente, juro. De repente, quebrando o gozo do encontro, senti um ar doce tão doce de causar enjoo. E o ar me acompanhou durante boa parte da caminhada, por vezes vigoroso, por vezes débil. Era cheiro mar, doce. Mar, doce. Foi continuamente nesse ritmo que acostumei as narinas ao odor delicado. Andava. Você deve estar se perguntando: onde está Cecília nesta história? Pois bem, não o culpo, dei longas voltas até chegar ao ápice do texto. O que você não sabe, nem eu sabia, é que este aroma, seguindo-me por ruas desconhecidas, era Cecília.
Bem, reconhecendo a travessia para minha estadia, andei próximo ao mar, fotografando as barcas mentalmente, uma a uma, lotadas. Cada vez mais o espaço entre as pessoas na calçada aumentava. O doce de Cecília, que eu ainda não sabia que era dela, nem que se chamava Cecília, parecia guiar-me. Eu ia. O suor molhando os cabelos louros, as pernas um tanto tremulas. Eu ia sal. Os espaço entre as pessoas era maior e maior e maior, até ficarmos eu, o sal, o doce, e Cecília.
À minha frente, dez metros mais ou menos, estava a garota de fios pretos lisos sobre os ombros, o balançado natural de atentar qualquer macho. O jeans na calça, claro e sujo, mochila cor-de-rosa alternando com cinza, e tal. Nas mãos levava muitos cadernos, papéis. Mergulhei em curiosidade. Pensei em ajudá-la, mas o seu perfume continha meu corpo, era quase automático. Não conseguiria acelerar ou ultrapassá-la. Descobri, portanto, que ele não me seguia. Sim eu o seguia.
Atravessamos uma rua perigosíssima e movimentada, íamos diretamente ao mercado do peixe, coincidentemente, íamos. Veio brisa forte que levantou os cabelos de Cecília no charme e poesia entrelaçados. Uma folha de papel foi ao chão, discreta e leve. Quando abaixei-me para pegá-la o doce já havia envolvido-se com cheiro bruto de peixe ou misturado-se com a fetidez humana no mercado. O perfume dela era sobre humano. Impossível de ser confundido. Apaixonante. Morrera naquele instante. Entristeci.
Ao examinar o papel deixado para trás, cuidei dos detalhes nos giros letras; eram uns cálculos, complexos, que não compreendo, nem quero, pois minha grande paixão são as letras, livros e poesias. Não números. Na borda, escrito a caneta cor-de-laranja, o nome: Cecília. Foi então que a fim de retomar meu objetivo virei a favor do mercado e sonhei novamente com o cheiro memorável da garota. Mas logo gelei a alma ao ouvir uma voz feminina me chamar: ei!
Revirei-me e notei a presença dela, todo o perfume a vestia.
Ela sorriu, doce.
Eu, sal.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

de cima

Decolou a nave prata dura que não derrete
o fogo.
lançou queimando a atmosfera terrestre
assustou os seres das asas tortas
rasgou a camada fina, virou fogos de artifícios.
De cá, meu amigo, compreenderia quão pequena é sua matéria
como grande é a alma sua.
o sol mais nu cegou meus sonhos,
seguiram longe, distantes da impossibilidade de não acontecerem.
Astronauta vá.
Daqui, a esfera é bem azul. Lindíssima, lembra o mar.
o dia já nasce noite de dia.
A noite vem trazendo o descanso para olhos sós.
E a noite vem ninando os homens sobre as estrelas, outros planetas,
não fui.
os dedos do céu giram o sol, que é lua, não há pôr-do-sol, só brilho.
na janela da tela do lado de lá, meu peito transborda, anéis de Saturno.
Aquário, Marias.
Daqui de cima, tudo é desafio. Escuridão clara,
vê.
Grita o teto de Deus, meu amigo, ando perto de Deus.
venta. minto,
foi cometa.
somos cometas.
e no papel da galáxia, desenham os amantes vãos
a noite que
vem ninando os homens sobre as estrelas.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

É como se, de repente, você fosse presenteado. Muito bem presenteado. É como se em uma terça-feira comum, e você acordando cansadíssimo( ainda), com o cabelo repleto de nós e um rosto amassado, fosse presenteado. Bastou abrir os olhos e enxergar na sua estante, (digo estante não naturalmente, claro, pois nesse texto nada é concreto. Cada palavra diz mais do que é capaz. Cada leitor, lê do seu jeito. Dirão, por certo, que não escrevo com bom senso. Prefiro dar fim a minha história a discutir complexidades da mente neste momento, mas a lógica, única que eu conheço, se conheço, ultrapassa o entendimento. A escrita é consequência de viver. Viver é, por si, incoerente. A vida é para os corajosos, e um tanto loucos. Portanto, por aqui, até o ponto final pode significar o início.) logo ao lado da bagunça que nunca consegue tempo para arrumar.
Ele não veio em uma caixa, papel colorido, e não veio com fita fazendo laço ao redor.
Você, simplesmente foi presenteado. Tinha o cheiro inesquecível de alguém, a voz inesquecível, o abraço infinito a ponto dos braços se perderam e serem confundidos. Uns desejos antigos, qualquer valor absoluto ou abstrato que pedisse estariam dentro da lembrança. Num de repente, espirrou, piscou e ganhou o presente para a vida toda.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Distante da vida na terra.

Eu a vejo assim: parada, quieta, às vezes sorrindo. Assim, às vezes de lado, acanhada. Vejo-a por completo, como é. Exatamente. Em desenhos perfeitos dela e nela, fotografo. Curvas tortas, fechadas, abertas, curvas muitas, faço quadro. Eu a vejo fora de si, onde? Nem sei. Só há matéria. Exatamente ali, assim.
Ela vem me perguntar: pareço distante da vida na terra? Talvez. Penso, repito. Distante da vida na terra. Mas a distância também tem sua validade porque nos instiga. Tem o poder que eu sonho em ter, cria e dá fim a sentimentos.
Quem teve a graça de nascer com bons olhos e alma grande, sabe que tudo vale a pena. É justamente aprender e “reaprender” o sentido dos homens. Passam tantos com muita pressa, esses homens caminhando, que entre eles perdem-se os valores.
A distância revela o que a peneira quer tampar: detalhes. O verdadeiro porquê do acontecimento. Um amor amargo imenso àquilo deixado para trás. Ela revela.
Lia-se. Leia-se, interprete. Nunca se está longe de tudo. Aqui existe o pedaço de uma coisa, o fim de uma coisa no universo. Este fim é o início de outra coisa. Não sei lidar com o mistério. É contradição, pois tudo acaba. Só que no limite de algo há outro algo. Então, nada acaba? Não há distância real. É relativo. Deixo-a onde quer. Se ela está distante da vida na terra, pode muito bem estar mais próxima da vida em si.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Travessia

A ponta dos dedos do poeta é de pó de ouro.
Tem cheiro de jasmim da índia com perfume alecrim.
Faz tilim-tilim como o sino da Matriz.
Pés de bailarina em mãos, delicada e rude.

É com ela que o poeta desenvolve a criação.
Com ela se cala ou fala o universo.
É mistério, enigma e certeza.
Porque a ponta é a estrada da palavra.

De longe, ao vento, umas letras infiéis.
Perto, rente ao peito, à ponta,
elas, tortas se endireitam.
Gritam perturbadas!

Esse pó, nesse pó, nesses dedos
A textura de si escorre pelo corpo.
A ponta dos dedos é ponte entre alma e papel.
E pela ponte o poeta se faz.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Luar

Andamos uns 700 metros com os pés no céu e as mãos no chão. Pisando em estrelas e contando buracos no asfalto, foi de cabeça para baixo que nos reencontramos. Vivendo de novo um novo meio cheio de coisas velhas, meio vazio de surpresas. Tantas caretas ao desabafar besteiras, ao nos entendermos. Se é que existe o entendimento em sonhos.
Quando a borboletinha amarela pousou na calçada, foi riso louco querendo sair. Saiu. Ficamos perdidos naquela cidade tão ausente em nós, tão passada no passado. Foi carinho ali, desta maneira: teorias de tudo, com tudo, por tudo.
Você roubou flor no jardim de uma casa branca que parece de boneca. Pôs em meus cabelos e ela quase desapareceu entre tantos fios castanhos. Não houve contentamento.
Umas nuvens cor-de-rosa dominaram os pés, e quase assistimos à cena de cinema ao desviar com asas o avião seguindo para São Paulo. Dizem que lá não há quem te cuide e veja. Eu que não mudo para São Paulo. Eu que não troco meu carro de pão na minha rua pelas buzinas e prédios de São Paulo.
Você me deu uma estrela de presente e pôs até meu nome, mas não gostei muito, desculpa. Se eu pudesse, escolheria o luar. Mas tivemos muito medo de buscá-lo, entendo, enfim, porque deixamos os presentes de lado.
Corremos, então, na rua das árvores sem ninguém e escutamos uns cantos sobre amores passeando na esquina. Tinha uma voz mais que grave como Tim. E parados olhamos nos olhos dos nossos olhos, cultivamos desejos, perdoamos o tempo, compreendemos os erros, e criamos um sentimento diferente com todasascoisasboasdessemundo dentro. Ainda sem nome. Mas um dia terá. Se você vier...