sábado, 24 de abril de 2010

De um ponto a outro .



Palavras passeiam de mãos dadas.

Oferecem rosas vermelhas tão vermelhas ao misturarem-se com o sangue vermelho escorrido pelos dedos de quem tocou os espinho desta mesma rosa. Carregam uma bagagem inconstante, misteriosa, intensa...Levam e trazem boas novas, como ondas a chegar e partir, sempre apresentando conchas às areias pardas e úmidas. São notícias escandalosas. Extra extra! Berram os meninos velhos na calçada, cospem palavras azedas a leite, paralelepípedos arrepiam-se. Mas quase não se vê mais paralelepípedos nesses tempos, nem meninos berrando extra extra em local público, nem particular, nem em lugar nenhum. Não se vê mais meninos berrando. Estão todos quietos assistindo à televisão. E televisão não se lê.

Não sei se isso é diferente ou teoria ou desvario. Não sei se meu coração está batendo forte ou quem sabe fraco demais para idade, ou se estou ao menos cansada da normalidade imposta oposta à felicidade geral da nação. É que leituras modelam aquilo chamado de Identidade. Muito prazer! Retiram excessos, inutilidades, pouco a pouco queimam papéis antigos e às vezes guardam-nos como jóias únicas debaixo de um colchão mole. Também são capazes de inventar poesias dentro de nós, descolorir nossos olhos, ou arrancar a venda, e veja, de repente, nada mais é como antes.

Há uma loucura silenciosa que por vezes não suporta calar-se, recorre, então, a elas, perigosas palavras.

É a contradição formando e deformando, prolongando e tirando a vida. É para perder-se e encontrar-se, é para privar-se do tempo, esquecer as horas, abraçar defeitos, odiar defeitos. É para ser!

Estamos cheios de pressa, não? Estou atrasado para nãoseiquelá, mas nunca estou atrasado para ler e companhia limitada.

Um dia, creio eu positivista, crianças mesmo miúdas, grãos rosados e frágeis, não mais ouvirão cantigas boi da cara preta e nem sairão no banco traseiro dos carros de seus pais desesperados para pegar no sono. Apenas ouvirão sons gotejando em letras dando lógica a sentimento, dando ritmo a poesia, dando expressão às linhas. Dormirão. E essas tantas letras, dispersarão pelo ar para cair como chuva, matando a sede das sementes de rosas vermelhas. E das sementes crianças. E das sementes adultas. E das sementes palavras.

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