quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Blau Werden



Uma gota vinda do céu caíra sobre Helena. Era um dia tão azul que ela
olhou para cima e se perguntou de onde partira aquela gota que a tocava
logo no peito. Não havia pássaros por perto. Os pombos na praça central ocupavam-se das impurezas no chão. Um desenho no chão de asas sobre as
impurezas. Não havia torneiras ou bolhas de sabão ou nuvens. Somente velhinhos jogando xadrez e um grupo de quase dez crianças traquinas correndo em círculos, fazendo balé de gritos. Gritavam aventuras infantis insolúveis com seus agudos explodindo no azul. Havia também pessoas. Muitas pessoas de muitos pensamentos.
E o ar congestionado por incríveis ideias. Havia tantas pessoas e tantos pensamentos que não era difícil perder seus próprios pensamentos em outros, pois além de entrar na cabeça errada, eles pulavam de cabeça em cabeça preenchendo os buraquinhos esquecidos pelo resto do corpo. Mas o fato: uma gota improvável caíra sobre a alma de Helena e a tocara metaforizando seu corpo em corda de violino, em ponto colorido na tela branca. Helena foi se transformando em lembrança.
Helena sentiu um frio mínimo e discreto na pele e passou a questionar todo passado. Bastava à dúvida seca ser regada pela gota vinda do céu para crescer.
Cresce. Crescendo. Cresceu.
Ficou gigante e dominadora e teve o magnífico poder de expulsar estranhos pensamentos alheios dos buraquinhos esquecidos na cabeça da moça, para recheá-la de interrogações. Pedaços de lembranças num dia muito azul soam desconfortáveis. Um tão azul deveria plantar
a vontade de abraçar o futuro, cantar alegria, alegria. Mas Helena virou lembrança. E não se cansava de indagar o porquê. Queria saber da lógica que há nesta vida de encontros repentinos. Das breves despedidas. Da ferida que deixa um amor mal resolvido, uns escritos pela metade afogados na distância. Do vazio,
da ilusão, da espera. Espera. Foi uma gota assassina caída do céu. Matou-a
instantaneamente e virando lembrança ganhou uma melancolia parda no rosto, descolorindo o entorno. Um desencanto todo. Como se essa gota tivesse ponta afiada de palavras cruéis. Como se os pombos fizessem motim, e houvesse torneiras ou bolhas de sabão ou nuvens demais. Uma gota desaguando em lagoa, em rio, em mar, em Helena, em lembranças. Querendo alguém para tocar. Foi tocar justamente numa estrela tímida,
que de lembranças se embebedou para sempre.

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