segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A dona da casa


A protagonista dessa história é minha avó, e se chama Dolores.
Morena, os cabelos com ondas minúsculas, por volta de seus 86 anos e a pele moldada pelo tempo, ela observava tudo nos mínimos detalhes. Os olhos brilhavam como espelhos do sol. Lá estava ela, filmando cada movimento dos filhos, dos netos, dos bisnetos, dos amigos, daqueles que passavam, daqueles que se sentavam em seu sofá, dos que ficavam, dos que partiam. Naquele dia, Minas Gerais, os trazia visita; para ela, e seu companheiro. Eram dois irmãos mais novos de Zezé, que sempre vinham passar uns dias, quando livres. E, mesmo assim, Zezé emocionava-se como num primeiro encontro após muito e muito tempo. “É chorão mesmo esse seu avô, Mariana. Não tem jeito. Um homem deste tamanho babando feito nenê!” Ela não se cansa de arrancar-nos boas gargalhadas.
Naquele dia, parou para reparar tudo ao seu redor; os olhinhos cheios de luz. Contamos cada filho, oito, cada neto, dezessete, e cada bisneto, sete; só para treinar sua memória cansada que a doença cisma em querer.
Eu ousei perguntar se estava feliz. Com um doce sorriso, e mais verdadeiro que já a vi revelar, respondeu-me: e como não? É a maior família que já vi. Culpa de Zezé que não parou um minuto. Pois deu agora para fazer piadas sobre a própria vida. Que vida vó! Quanto já me ensinou simplesmente por dar a bênção. Simplesmente por ser sábia, como é.
Alguns dias a visão não está boa: você está magra, você está gorda, sendo que você não está nada de nada, na verdade. Alguns dias a visão está tão boa que te vê passar do outro lado da rua pela janela da frente. E ri, e chora, e pensa em sei lá o quê se calando de cabeça baixa, sentindo saudade dos tempos de moça. Orgulhou-me ao dizer “eu era assim como você”. “Essa aqui, é que nem eu quando nova”. E quer ser também quando os anos chegarem, com exata sabedoria.
Um presente divino ter em seu abraço o carinho infinito. É a mais bela da casa; clareando os cômodos quando alegre; escurecendo-os quando triste. Por ser assim, dona da casa, visto-a com todo meu amor, e fim.

2 comentários:

  1. Amei todo o texto...quando li, revivi cada momento ao lado da dona da casa. Me emocionou de verdade.
    bjs

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  2. Mari, toda vez que leio esse seu texto eu me emociono. Choro mesmo. É lindo!

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